domingo, 31 de março de 2013

Do reino visigótico ao reinado de D. Dinis


Invasões bárbaras do Império Romano, no século IV. Fonte: Atlas da História do Mundo.
Quarta Edição. São Paulo. Times Books - Folha de São Paulo, 1995.


Com o ocaso do Império Romano, um povo bárbaro, os godos, que viviam nos confins orientais da Europa Central, iniciaram uma marcha de fuga inusitada em direção ao Oeste. Era o ano de 376 d.C. Acossados pelos ferozes hunos e pelos avaros, outro povo quase tão bárbaro e feroz quanto os hunos, provenientes das estepes sem fim da Ásia Central, vieram para o oeste europeu e desceram para o sul. Como, basicamente, eram compostos por dois povos, os ostrogodos, cujo termo significa viver mais a leste, e visigodos, cujo termo significa viver mais a oeste, eles se dividiram, principalmente em decorrência de diferentes hábitos e cultura. Os ostrogodos foram se assentando mais no centro europeu e, posteriormente, se dirigiram para o leste. Os visigodos desceram, chegando às proximidades de Constantinopla, mas foram rechaçados pelo exército do Império Romano aí acantonado. Empreenderam, então, uma marcha para oeste e atingiram os Balcãs. Inicialmente, desceram, próximos ao litoral do Mar Egeu, subjugaram a Grécia, em 395, e subiram novamente, pelo litoral do Mar Adriático, até atingir as regiões das atuais Sérvia, Croácia e Eslovênia. Circundaram o Mar Adriático e desceram para a Itália, onde saquearam Roma, em 410 e as principais cidades da península. Pela primeira vez na história, a capital do maior império que o mundo conhecera, fora invadida, saqueada e queimada. Os visigodos subiram novamente, sempre próximos à costa, e, ao sul dos Alpes, atingiram a região da Provença (atual França). Próximos aos Pireneus, decidiram-se por atacar o norte, mas foram rechaçados pelos poderosos francos, que já dominavam grande parte da Gália romana. Atravessaram os Pireneus e se estabeleceram na Península Ibérica, última parada em seu longo périplo de fugas, batalhas, destruições e saques. Era o ano 507 quando se fixaram nas ora cálidas, ora quentes, porém férteis, terras ibéricas, sonho que jamais poderiam ter acalentado quando viviam no clima frio e úmido do leste europeu.



Alarico.


Seu primeiro rei, Alarico, nascera em Peuce, na atual Romênia, e tinha sido comandante do imperador Teodósio I, lutara contra o usurpador Eugênio e vencera. Era seu desejo continuar como um comandante romano, prática que os imperadores romanos adotavam, há muito tempo, de nomear comandantes de tribos bárbaras para os auxiliar na defesa contra tribos ainda mais ferozes. Mas foi rejeitado e despresado pelo novo imperador Honório, o que despertou sua fúria. Não foi difícil para o chefe visigodo vencer as legiões romanas, já enfraquecidas por décadas de corrupção, inflação, fragilização moral e dos costumes, divisões internas e traições entre os romanos. Alarico morreu neste mesmo ano de 410, em Cosentia, hoje Cosenza, logo após o saque a Roma, sem ver o resultado final de sua longa marcha. Seu túmulo foi tão cuidadosamente escondido por seus soldados que nunca foi encontrado.



Alarico saqueia Roma.



Os visigodos, assim que se estabeleceram na Península Ibérica (só não ocuparam a região da atual Galícia (Galiza) e Astúrias, pois aí os suevos, um povo bárbaro vindo do norte, haviam se estabelecido), adotaram os costumes e leis romanas, uma cultura muito mais avançada que a sua. Assumiram, rapidamente, até a religião do Império Romano, que àquela altura era o cristianismo. Mas, tornaram-se cristãos arianos, ao contrário da população hispano-romana que professava o catolicismo. Até 507, quando do reinado de Alarico II (484-507), sua capital foi Tortosa. A partir daí, a capital foi transferida para Toledo.




Breviário de Alarico (487-507).


Morte de Alarico


Em 587, o rei visigodo Recaredo, assumiu a fé católica e foi batizado, assim como toda a população visigoda. Em 589, tal fato foi reconhecido pelo III Concílio de Toledo. Os visigodos exerceram inicialmente uma administração eficiente na Península Ibérica. Seu maior legado foi o direito visigótico, com o Liber iudiciorum, um código de leis que formou a base da legislação empregada em toda a Ibéria medieval cristã, durante séculos após o seu reinado, chegando até o século XV, ao fim da Idade Média. Apesar de professarem o arianismo por quase dois séculos, sua convivência com os católicos hispano-romanos sempre foi boa, com a frequente ocorrência de casamentos entre essas duas populações. Havia tolerância mútua. Havia uma clara aliança entre a monarquia visigoda e a Igreja católica ibérica, principalmente no século VII. O maior exemplo disso é a existência de textos intelectuais eclesiásticos, cujo autor mais importante foi Isidoro de Sevilha.  

Entretanto, marcaram muito negativamente o período visigótico na Península Ibérica as perseguições contra o povo judeu. Desde muitos séculos antes, os judeus habitavam a Ibéria. Segundo inúmeros relatos, desde o período do primeiro cativeiro assírio, em que os judeus sobreviventes aos massacres, foram deportados para a Assíria, onde foram obrigados a abandonar seu credo, no VIII século a.C., sabe-se da emigração judaica para a Ibéria, então conhecida como Sefarad (terra prometida). Há relatos de pogroms, da criação de judiarias, isto é, quarteirões ou bairros em cidades destinadas exclusivamente aos judeus, da obrigação de usarem distintivos em suas roupas que os identificassem e pudessem ser discriminados dos cristãos. Além do mais, não podiam exercer funções militares, ter cargos no governo, nem se casar com cristãos ou ter patrimônio em forma de casas, terrenos ou fazendas. O mais infame de todos os atos anti-judaicos era o batismo compulsório dos judeus, instituído em 612. Os que se negassem a tal nefando ato estavam sujeitos ao confisco de seus bens, à expulsão do território visigodo e até à morte.




Conversão de Recaredo.



No ano de 642 assume o trono dos visigodos, da Península Ibérica, o rei Chindasvinto (563-653). Foi o vigésimo nono rei visigodo, desde 507. Já era um provecto comandante visigodo, aos 79 anos, quando liderou uma conspiração e derrubou o rei Tulga, cujo reinado durara de 639 a 642. Foi um rei que gerou polêmicas. De um lado, seu governo foi muito bem sucedido, já que as finanças do reino foram saneadas, a corrupção foi severamente combatida, sufocadas rebeliões e impostas novas leis. Por outro lado, submeteu com violência à sua autoridade o clero e a nobreza. No início de seu reinado, mandou executar 200 visigodos das famílias mais nobres e 500 de famílias de nível um pouco inferior, para que pudesse governar sem contestações. Na verdade, foi um tirano que realizou algumas boas e grandes obras. A polêmica começa com seu próprio nome: foi conhecido como Chivandinho (um aportuguesamento da palavra), Chindasuinth, Chindaswind, Chindasuinto, Chindasvindo ou Khindaswinth. Todos derivados do latim, Chintasvintus.



Chindasvinto - Cindasuinctus Rex, segundo o Códice Albedense


Para quem desejar mais informações sobre este período da história recomendo o link: http://es.wikipedia.org/wiki/Chindasvinto).

Era tido como um homem de grande energia e força de caráter. Seus oponentes, que conseguiram sobreviver, fugiram para a região da Narbona, na França, onde receberam apoio dos reis francos, e outros para o território basco. Conseguiu o respaldo de alguns bispos e do alto clero no VII Concílio de Toledo, em 646, que o apoiaram nas penas aplicadas contra qualquer um que ameaçasse sua autoridade, incluindo os próprios clérigos. Este concílio foi boicotado por muitos outros bispos, dada sua ingerência em assuntos eclesiásticos. O rei havia limitado o poder do clero para dar refúgio a delinquentes nas igrejas, havia acabado com alguns de seus privilégios legais, impôs sanções monetárias aos clérigos que não se apresentassem em caso de ações civis e nomeava pessoalmente os bispos.

Tal opressão levou à chamada pax romana: deu ao reino um estado de ordem e tranquilidade e criou a transmissão hereditária do trono, contrariando decisões anteriores do IV Concílio de Toledo, de 648. Em 649, nomeou seu filho Recesvinto como rei adjunto, quando ambos passaram a governar o País até sua morte, em 653. Foi sucedido por ele.




Chindasvinto - Arquivos da Biblioteca Nacional de España (642-649).


Apesar de suas atitudes, foi recordado nos anais da Igreja Católica como um grande benfeitor, para a qual fez grandes doações, em terras e privilégios. Saneou as finanças públicas, em parte devido aos confiscos de bens dos rebeldes, em parte devido a um sistema fiscal mais justo. Empreendeu campanhas para sufocar rebeliões dos bascos e dos lusitanos.
Promulgou grande número de leis referentes à política do reino e à vida econômica e social. Não se conhece sua política em relação aos judeus. Teve a grande colaboração do famoso e respeitado clérigo Braulio de Zaragoza na elaboração de um código legislativo único para godos e hispano-romanos, obra que foi concluída por seu filho Recesvinto. Ficou conhecida como Liber ludiciorum, ou Código de Recesvinto, que substituiu os anteriores Breviário de Alarico, utilizado pelos hispano-romanos, e o Código de Leovigildo, utilizado pelos godos.





Reis visigodos Chindasvinto, Recesvinto e Égica, segundo o Codex Vigilanus.





Coroa de ouro do rei Recesvinto (morto em 672).



O ressentimento de parte da nobreza, a quem havia confiscado terras, e de parte do clero, a quem havia tirado privilégios, levou a diversas rebeliões nos seus últimos anos de governo. Quase não há relatos desse período. Sabe-se que, ao final de sua vida, dedicou-se o rei a atos de piedade e beneficência, quando fundou o monastério de San Román de la Hornija, em Valladolid. Após sua morte, aos noventa anos de idade, foi aí sepultado, ao lado de sua amada esposa Riciberga, com quem tivera três filhos e uma filha.





Fíbula (fivea de cinto) visigótica. Bronze e 
pasta vítrea. Século VI. Alovera, Espanha.

  
Os visigodos, ao se unir às famílias hispano-romanas, deram origem às principais famílias da Ibéria que sobrevivem até os tempos atuais. Muitas mantêm seus sobrenomes como eram na Idade Média. Outras, em função da invasão muçulmana da Península, em 711, tiveram alguma alteração na grafia, mas mantiveram alguma relação com a antiga. Entre essas famílias, a família Corrêa (Correia, na grafia portuguesa) tem suas origens mais ou menos conhecidas desde o período visigótico. Um dos primeiros genealogistas portugueses foi o Conde Pedro Afonso (Conde de Barcelos), filho bastardo do rei D. Dinis (1261-1325). Ele escreveu uma obra fundamental, considerada um dos pilares do conhecimento que temos sobre as principais famílias portuguesas da Idade Média, desde a fundação do Reino de Portugal até o século XIV. É a terceira de um conjunto de quatro obras importantes sobre a genealogia portuguesa, cujas origens remontam ao período visigótico.

Sua obra tem o nome de Livro de Linhagens. Em 1980, o prof. José Mattoso, um dos maiores historiadores portugueses, publicou uma edição crítica intitulada Livro de Linhagens do Conde Dom Pedro, no conjunto de obras clássicas Portugalia Monumenta Historica, Nova Série, vol. II (tomos 1 e 2), em Lisboa. O Livro de Linhagens foi escrito após a guerra civil (1319-1324), que marcou profundamente o governo de D. Dinis. Este faleceu no ano seguinte. Seu governo se caracterizou pelo grande fortalecimento da monarquia frente à nobreza, que constantemente se rebelava contra as decisões reais, em particular na questão tributária, e competia pelo poder nas decisões fundamentais do reino. O objetivo de tal obra seria contribuir para o fornecimento de subsídios no fortalecimento da monarquia, mas, ao mesmo tempo, valorizar as linhagens importantes do reino, ali existentes desde a fundação do mesmo, ou até mais antigas, numa espécie de trabalho de diplomacia, no qual as duas partes se sentissem valorizadas. Esta obra não é considerada um texto histórico totalmente fidedigno, pois existem erros que foram identificados e corrigidos por outros autores e erros que não puderam ser corrigidos por não se encontrar a verdadeira versão dos mesmos. Mas há o relato de muitos fatos verdadeiros. Sabe-se que ela foi reescrita diversas vezes, por diferentes autores, que acentuaram aspectos ligados a seus próprios ancestrais. A tal trabalho deu-se o nome de “refundição do livro de D. Pedro”. A obra é mais importante do ponto de vista histórico, principalmente porque é a descrição de uma época, de seu contexto histórico, social e econômico, que, de outra forma, não teria chegado até nós, nos dias atuais. Portanto, é obra obrigatória de ser conhecida, desde que se leve essas questões em conta.

Nela, encontramos o relato de que a família ibérica dos Corrêa (Correia) tem origem em dois troncos: a primeira linhagem começa no Reino de Leão e Castela, com D. Mendo Gomes, moçárabe de Toledo, antes da Restauração desta cidade pelo rei D. Afonso VI, de Leão, que a conquistou aos mouros. A segunda linhagem tem origem em Pedro Afonso Dorraes, rico fidalgo também de Leão e Castela.

Os moçárabes, palavra que tem origem no árabe مستعرب musta'rib, que significa “arabizado", eram cristãos da Península Ibérica que viviam sob o governo muçulmano em Al-Andalus (Andaluzia). Seus descendentes, apesar de não terem se convertido ao islamismo, assimilaram padrões da língua, dos costumes e da cultura árabe. Geralmente, eram hispano-romanos católicos, de rito visigótico ou moçárabe. Falavam o árabe e também sua antiga língua romance, derivada do latim vulgar tardio com traços da língua visigótica. Há uma arte moçárabe que pode até hoje ser vista em diversos lugares da Ibéria. Muitos moçárabes tinham origem na Europa do norte e haviam migrado para a Ibéria, adotando o árabe como língua falada e entraram para a comunidade moçárabe (neo-moçárabes). Muitos eram cristãos árabes ou berberes e outros eram muçulmanos convertidos ao cristianismo. Todos formavam uma grande comunidade, com ótimo relacionamento entre si. Eram encontrados principalmente nas cidades de Toledo, Córdoba, Saragoça e Sevilha. Conviviam também em harmonia com os judeus que moravam em território governado pelos muçulmanos. Todos pagavam um pesado tributo ao governo muçulmano, chamado de dhimmi.




Igreja matriz de São Pedro, Lourosa, Oliveira do Hospital, Portugal. 
Estilo pré-românico moçárabe. A igreja mais antiga de Portugal.  
Construída em 912. Foto Marco Veloso.




Um dos autores que “refundiu” a obra de D. Pedro foi Manuel Faria de Sousa, também genealogista português, no século XIV. Ele acrescenta à obra de D. Pedro que D. Mendo Gomes era descendente de Evâncio, sobrinho e Copeiro-Mor de Chindasvinto, o já citado vigésimo-nono rei dos visigodos, em 643. D. Mendo Gomes era casado com D. Eufrázia, que, por sua vez, era irmã de Santo Eugênio, Arcebispo de Toledo, e de D. Luisa, mãe de Santo Ildefonso, também Arcebispo de Toledo. Por sua vez, D. Eufrázia era filha do príncipe Estevão e de S. Basília, irmã do rei Chindasvinto. Este casal, D. Mendo Gomes e D. Eufrázia teve um filho, D. Gueda Guedeão, o velho (999-?). Não se sabe o nome da esposa de D. Gueda, já que no texto de Manuel Faria de Souza há uma lacuna quando a ela se refere. D. Gueda Guedeão era neto do Príncipe Estevão e de S. Basília, esta irmã do rei Chindasvinto (Chivandinho), era, portanto, sobrinho-neto do rei visigodo. Isso significa que a família proveniente do genearca D. Gueda Guedeão, o velho, cuja data provável de nascimento é o ano de 999, pertencia à mais alta nobresa visigótica.

Transcrevemos abaixo o texto, aporte ao Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, de Manuel Faria de Sousa, com o português arcaico da época (pouco antes, a língua da região era o galaico-português):


Conde D. Pedro ttº. 30 pag. 162 N 1 ttº. 62 pag. 343 N 1 = nele fala Álvaro Ferreira de Vera na Nota a pag. 343 Carvalho na Corografia Portuguesa tom. 1º trat. 1º Cap. 31 fls 109; Manuel de Sousa nas Notas ao Conde D. Pedro diz, que foi descendente de Evancio sobrinho e Copeiro Mor do Rei Chinvandindo 28 Rei dos Godos em 643, e o mesmo diz Garivai; D. Mendo Gomes acima casado com D. Eufrázia a qual era irmã de S. Eugénio Arcebispo de Toledo, e de D. Luísa mãe de S. Ildefonso também Arcebispo de Toledo; era D. Gueda neto do Príncipe Estevão, e de S. Basília irmã do dito Rei Chinvandando = digo Chinvandindo. Teve D. Gueda o velho de sua m.er D. ............................... 2 D. Mendo Guedes 2 Huer Guedes de que vem os Aguiares, e Alcaforados no ttº. de Alcaforados § 1 N 3.

Biografia: NFP ttº ALCOFORADOS|D. GUEDA MENDES o Velho f° de Mem Gomes segundo o uzo dos patronimicos, e não D. Gomes Mendes veyo com o Conde D. Henrique pª Portugal em 1096 como consta do Foral q deu aos moradores de Constantim, e Panoyas no anno de 1096, e outras escripturas the o anno de 1120.||Biografia: NFP ttº GUEDES|O Conde D. Pedro da principio a esta Famillia em D. Gueda Mendes o velho o qual era f.° de D. Mendo Gomes Muçarabe de Toledo antes desta Restauração desta Cidade por ElRey D. Aff.° 6.° de Leão: Conde D. P.° tt.° 30 pag. 162 N 1 tt.° 62 pag. 343 N 1 = nelle falla Alvaro Fer.ª de Vera na Nota a pag. 343 Carvalho na Chorogafia Portug. tom. 1.º trat. 1.º Cap. 31 fls 109; M.el de Souza nas Notas ao Conde D. Pedro, diz, que foi descendente de Evancio sobrinho e Copeiro Mor do Rey Chinvandindo 28 Rey dos Godos em 643, e o m.mo diz Garivai; D. Mendo Gomes asima foi cazado com D. Eufrazia a qual era Irmãa de S. Eugenio Arcebispo de Toledo, e de D. Luiza may de S. lIdefonco tambem Arcebispo de Tolledo; era D. Gueda neto do Princepe Estevão, e de S. Bazilia Irmãa do d.° Rey Chinvandando = digo Chinvandindo.||Biografia: NFP ttºCOGOMINHOS|D. GUEDA O VELHO he o pr° em q o Conde D. Pedro da principio a esta Familia Alvaro de Vera diz era f° de Mem Gomes Mucarata n.aI de Toledo q veyo a este Reyno com o Conde Henrique veja o ttº de Alcaforados (Conde D. P0 ttº 30 fl. 162 v° e jl. 165)|||Fontes: LMP-vol. 2-pg. 7 |NFP-vol. IV-pg. 415 (Cogominhos) |NFP-vol. VI-pg. 10 (Guedes

D. Gueda Guedeão, o velho, deixou Toledo e dirigiu-se ao Condado Portucalense, embrião do futuro Reino de Portugal, a convite do Conde D. Henrique de Borgonha, em 1096. Para se compreender melhor como essas linhagens tiveram participação na história tanto da Espanha quanto de Portugal é preciso se fazer um pequeno retrospecto histórico deste período na Península Ibérica.

Onde hoje é o território de Portugal, durante o início do período da Reconquista, houve dois Condados Portucalenses ou Condados de Portucale distintos. O primeiro, mais antigo, foi fundado por Vímara Peres, que, em luta contra os mouros, conquistou-lhes a cidade do Porto, em 868, incorporando-a ao reino da Galiza, em 1071. Ocupava um território entre os rios Minho, ao norte, e Douro, um pouco mais ao sul. Apesar de ter alguma autonomia, era, de certa forma, dependente do reino das Astúrias e de Leão, formando um conjunto que vivia sob os mesmos princípios cristãos e regidos pelas mesmas leis. A região do norte da Península (Galiza, Astúrias e Leão) estava recém-conquistada aos muçulmanos e foi o núcleo de expansão do cristianismo em sua luta de reconquista territorial aos mouros. O segundo, constituído em torno do ano de 1095, era feudo do rei Alfonso VI, de Leão e Castela. Este condado era muito maior em extensão que o primeiro, pois, além dos territórios entre os rios Minho e Douro, englobava também os territórios do antigo Condado de Coimbra (que foi suprimido em 1091), parte de Trás-os-Montes e ainda o Sul da Galiza, particularmente terrenos da diocese de Tui, na Galiza. O nome Condado é um termo não muito específico para denominar o Território Portucalense. Seus chefes eram alternadamente chamados de Comite (conde), Dux (duque) ou Princeps (Príncipe).







Um nobre francês, mais especificamente da Borgonha, chamado de Henrique de Borgonha (1057,1066-1112), conhecido como o borgonhês, assim como muitos outros do norte dos Pireneus, territórios da França, Borgonha, Normandia, Inglaterra, condados e ducados alemães e de outros países, se apresentavam ao rei Alfonso VI de Leão e Castela, para lutar, ao lado dos cristãos, contra os mouros, na epopeia que se chamou de Reconquista. D. Henrique, o borgonhês, foi pai de D. Afonso Henriques (1109-1185), fundador e primeiro rei de Portugal. Henrique de Borgonha era o quarto filho do Duque Henrique de Borgonha, neto de Roberto I, Duque de Borgonha, e bisneto de Roberto II, rei de França. Por não estar na linha direta de sucessão ao trono da França, se apresentou ao rei Alfonso VI, de Leão e Castela, para combater os mouros.




Conde D. Henrique de Borgonha.

As lutas da Reconquista duraram mais de seis séculos, até que os últimos muçulmanos fossem expulsos de Granada, ao sul da Espanha, em 1492.

 Henrique se destacou nesta luta pelos seus atos de coragem, bravura e inteligência. Como recompensa, o rei Alfonso VI, ofereceu-lhe o Condado Portucalense, assim como também lhe ofereceu a mão de sua filha Teresa de Leão. O agora conde D. Henrique, orgulhoso de suas façanhas e ciente de sua responsabilidade, casou-se com D. Teresa de Leão e, em 1095, tomou posse do Condado Portucalense. Levou do território leonês e castelhano um grupo de fiéis e corajosos seguidores, que haviam participado com ele da luta contra os mouros. Entre eles havia cristãos hispano-romanos, moçárabes e judeus. Um deles foi o moçárabe D. Gueda Guedeão, o velho, muito próximo ao conde D. Henrique.

Diversas linhagens familiares contribuíram de forma decisiva para a consolidação do reino português, conforme diversos autores. Um deles, o prof. José Mattoso, um dos maiores historiadores portugueses, assim se expressa quanto às condições para o sucesso político da primeira formação nacional do estado português:

"Uma grande parte do sucesso político deste acontecimento resulta de um antecedente regional: a formação de poderes senhoriais de âmbito local. De fato, durante o século XI certas linhagens – concretamente as da Maia, Sousa, Ribadouro, Bragança, Baião e outras menos conhecidas – tiraram partido da sua capacidade militar para alargarem o âmbito dos seus territórios, desvincularem-se da autoridade dos condes de Portucale (descendentes de Vímara Peres), ligarem-se aos soberanos castelhano-leoneses da dinastia navarra (entre 1037 e 1091) e transmitirem os seus poderes numa linha única dentro da mesma família. Foram essas linhagens que prestavam fidelidade à coroa castelhano-leonesa e, depois, a transferiram para o seu representante, o conde D. Henrique. Foram elas que asseguraram, portanto, um suporte social à autoridade semi-independente do conde". (Mattoso, José. A formação da nacionalidade. In: Tengarrinha, José (Org.). História de Portugal. (Coleção História). Bauru, SP: EDUSC; São Paulo, SP: UNESP; Portugal, PO: Instituto Camões, 2000, pg. 8).


Um dos maiores especialistas em linhagens medievais portuguesas é José Augusto de Sotto Mayor Pizarro, que publicou sua importantíssima tese de doutorado em história, à Universidade do Porto, em 1997 (ver Pizarro, José Augusto de Sotto Mayor. Linhagens medievais portuguesas. Genealogias e estratégias (1279-1325). Vols. I e II. Dissertação de Doutoramento em História da Idade Média, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto. Editora do Autor, 1997). Pizarro, em sua pesquisa, selecionou de um universo de 323 linhagens familiares um grupo de 25 que julgou mais expressivas para a formação do estado português, a fim de evitar se perder em uma malha infindável de nomes. Baseando-se no velho Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, que apontava as já citadas linhagens relacionadas acima por José Mattoso, as que tinham maior prestígio, e indiscutivelmente ligadas à gênese do reino, Pizarro relaciona as seguintes (Vol. I, pgs. 152-155):


a- os Barbosas, por sua ligação de parentesco com a família real;
b- os Riba de Vizela, de origens bem mais modestas, mas indiscutivelmente importantes entre os séculos XIII e XIV;
c- os Guedões e os Lanhoso, duas linhagens antigas e de muito prestígio no século XII (ambas se segmentaram muito, notadamente os Guedões);
d- os Briteiros, importantes no século XIII, mas de origem mais recente que as anteriores;
e- os Valadares, os Soverosas e os Cabreiras, estes últimos com ramificações importantes na Galiza;
f- os Nóbregas, importantíssimos no século XII, tendo quase desparecido no século seguinte e reaparecido no século XIV como a linhagem dos Pereiras;
g- os Trastâmaras, de origem galega;
h- os Portocarreiros, os Cunhas e os Correias, que só muito raramente tiveram homens ricos em suas famílias, mas se destacaram por estar muito próximos à corte, eram considerados da nobreza média, mas muito distinguidos em relação a outras linhagens;
i- os Molnes, os Urgezes, os Moreiras, os Madeiras, os Dades, e os Farinha-Góis, provenientes de diversas localidades diferentes.

Houve outras importantes linhagens na história de Portugal, mas Pizarro se concentrou sobre estas 25 por serem mais antigas e objeto do período por ele estudado, entre os séculos XI a XIV.

A linhagem dos Guedões, segundo Pizarro, foi fundada por D. Gueda Guedeão, o velho, na segunda metade do século XI. Também ela, ao lado de outras menos importantes que as acima citadas por José Mattoso, contribuíram decisivamente para o êxito da grande empreitada que foi a conquista da autonomia do Condado Portucalense em relação à coroa castelhano-leonesa. Sobre a família Guedão, Pizarro, cita um texto de José Mattoso, que agora transcrevemos

"A sua ascenção, provavelmente até à categoria de ricos-homens, ter-se-à ficado a dever, segundo José Mattoso, à prática de actividades militares junto à fronteira norte contra Galegos e Leoneses. Daí que os descendentes do fundador da linhagem, e segundo o mesmo autor, venham a controlar, durante a primeira metade do século XII, as terras de Panóias e de Basto, onde protegiam o mosteiro beneditino de Refóios, tendo tido bens ainda mais a norte, na zona de Chaves.

       Os dois filhos conhecidos de Gueda, o Velho, Oer Guedaz e Mem Guedaz I, estão na origem de diferentes linhagens, cuja análise pormenorizada será o objecto das páginas seguintes. No entanto, o facto de o nosso estudo se centrar cronologicamente no reinado dionisino não impedirá que, muito embora de forma sintética, se apontem os aspectos mais relevantes da evolução de cada uma desde a origem até ao período considerado.

Antes de iniciarmos a descrição dos vários ramos de Guedões, convirá chamar a atenção para o facto de existirem alguns desfazamentos cronológicos entre as gerações das várias linhagens consideradas. Essa constatação leva-nos a admitir que a estrutura e encadeado de gerações propostos pelos livros de linhagens, e que nos serviram de suporte, sobretudo para a época anterior ao período por nós estudado, possam conter falhas que, em algumas famílias, cheguem até duas gerações."


De Gueda Guedeão descendem várias famílias como se pode ver no esquema abaixo. Entretanto, devido aos diversos entrelaçamentos matrimoniais, esta linhagem foi deixando de revelar nos sobrenomes de seus descendentes sua verdadeira origem, motivos pelos quais, no decorrer dos séculos, este sobrenome tenha praticamente deixado de existir nos registros cartoriais.


Pizarro, José Augusto de Sotto Mayor. Vol. II, 1997, pg. 607.

D. Gueda Guedeão teve dois filhos: 1- Oer Guedaz Guedeão (1040-?), também conhecido como Odório Guedas, foi casado com Aragunte Gomes (1050-?); 2- Mem Guedaz Guedeão (1103-1140), casado com Sancha Mendes Calvo (?-?). O casal Oer-Aragunte teve uma filha, Urraca Oeris Guedeão (1070-?), que foi casada com Soeiro Pais Corrêa (1150-?), o primeiro Corrêa a constar nos registros ibéricos. Ele foi contemporâneo do fundador do reino de Portugal, D. Afonso Henriques. Esta data de nascimento de Soeiro Pais Corrêa precisa ser conferida com mais exatidão, pois sua esposa, Urraca Oeris Guedeão teria nascido em 1070, portanto oitenta anos antes. Alguns erros existem aqui nesses dados, em função da improbabilidade temporal de tal matrimônio.

Da segunda, D. Soeiro Pais Corrêa, como relatado acima, foi o primeiro com sobrenome Corrêa registrado oficialmente, segundo vários genealogistas, que também lhe atribuem origem na nobreza. Recebeu o título de primeiro senhor da Honra de Fralães, honraria que abordaremos em postagem futura. Foi também senhor do Solar de Fralães. Posteriormente, o Solar de Fralães iria se tornar o solar dos Corrêas, que seria ocupado pela família Corrêa do século XII ao século XVII, onde teria surgido o ramo nobre da família em Portugal.

 Como vimos, uma neta de D. Gueda Guedeão, o velho, de nome Urraca Oeris Guedeão (1070-?) casou-se com Soeiro Pais Corrêa, natural de Monte de Fralães, localizada no concelho de Barcelos, norte de Portugal, em data que não consegui determinar. Este Soeiro Pais Corrêa foi o primeiro senhor da honra de Fralães, uma espécie de título nobiliárquico regional, ao mesmo tempo em que seu possuidor era uma espécie de administrador e juiz local.

O sobrenome Corrêa (em sua versão castelhana), ou Correia (em sua versão portuguesa) tem origem toponímica, isto é, de origem geográfica. Indica um lugar onde muitas corriolas, corrijolas e correias (espécies de plantas), semelhantes em seus filamentos às correias ou tiras de couro. Era comum na época as famílias adotarem sobrenomes relacionados às atividades que exerciam profissionalmente. Correia é derivado do trabalho com tiras de vegetal, couro e outros materiais.

Os pais de D. Soeiro Pais Corrêa foram: D. Paio Ramiro (1125-?) e Ouroana Martins (?-?), esta filha de Vicente Alves Curistelo e Maior Viegas. O país de origem de Paio Ramiro era Leão e também entrou em território português acompanhando o conde D. Henrique de Borgonha, em 1089.

Paio Ramiro era filho de Ramiro Aires (1060-?) e Tereza Pires (1065-?). Segundo algumas fontes, ele é o tronco da família Corrêa. Foi considerado um dos homens mais ilustres de Leão e Castela e notabilizou-se durante o reinado de Alfonso VI. No Livro de Linhagens, ou Nobiliário, do conde D. Pedro, Paio Ramiro era um homem rico e importante cavaleiro. Foi mestre do Templo e cavaleiro nobre do Condado Portucalense. Apoiou o conde D. Afonso Henriques quando este se rebelou contra sua mãe, D. Teresa, infanta de Leão, em 1128.

Em 1138, D. Afonso Henriques, após uma série de batalhas vitoriosas, venceu os leoneses, incluindo as tropas de sua mãe, D. Teresa, na grande batalha de São Mamede, em Guimarães, criando assim o Reino de Portugal, independente de Leão e Castela. Paio Ramiro recebeu deste príncipe, em 1132, o Couto de Cambeses, freguesia atual de Cambeses, em Barcelos. Em 1149, D. Paio doou esta capela (atual Igreja de Cambeses, à Sé de Braga, doação confirmada em 1188 pelo rei D. Sancho I.



D. Afonso Henriques (Afonso I), 
primeiro rei de Portugal.

Ramiro Aires, pai de D. Paio Ramiro, era filho de Pedro Afonso Dorraes e Gotinha Oeris. Não pudemos ainda encontrar os ancestrais desses últimos.

       Soeiro Pais Corrêa (1150-?) e Urraca Oeris Guedeão (1070-?) tiveram dois filhos legítimos: 1- Ouroana Pais Corrêa, casada com Pero Gravel (também conhecido como Paio Pires Gravel) e 2- Paio Soares Corrêa (1175-?).


D. Afonso Henriques na batalha de Ourique.



Túmulo de D. Afonso Henriques.



O professor e historiador português, José Ferreira, relata em seu blog na internet (http://paioperescorreia.blogspot.com/2009_09_01_archive.html) uma interessante história ligada à origem do nome Corrêa (ou Correia em sua vertente portuguesa):

       "A história desta freguesia (Monte de Fralães) está ligada à antiquíssima Honra de Fralães, pertença da família dos Correias, cujo primeiro patriarca de que há notícia é D. Paio Ramires, um Rico-Homem em Portugal, no tempo de D. Afonso VI, rei de Leão, que teve como sucessor Soeiro Pais. Este, tendo sido sitiado pelos mouros, em Montemor-o-Velho, e tendo caído em carência de subsistência, sustentou-se, durante algum tempo, das correias da armadura e dos arreios do seu cavalo. Deste tão duro e forçado manjar tomou apelido o seu filho, D. Paio Soares Correia, o qual foi Senhor de Fralães e padroeiro das Igrejas de S. Pedro do Monte e de Viatodos, assim como já o tinham sido os seus antepassados. D. Paio Soares Correia é o avô de D. Paio Peres Correia, como já vimos. Seria mais ou menos contemporâneo de D. Afonso Henriques. Sendo assim, já pouca base histórica pode ter esta explicação da lenda, pois os mouros nessa altura já se não aventurariam até Montemor-o-Velho. De facto, parece que o apelido Correia deriva de uma função militar, que não sabemos especificar."

Paio Soares Corrêa foi o segundo senhor da Honra de Fralães. Foi casado em primeira núpcias com Gotinha Godiz (também conhecida como Gontinha Godins, filha de D. Godinho Fafes de Lanhoso e Ouroana Mendes de Riba D’Ouro), e em segundas núpcias com D. Maria Gomes da Silva (filha de Gomes Pais da Silva (1120-?) e Urraca Nunes Velho (1130-?).

Do casamento entre Paio Soares Corrêa e D. Maria Gomes da Silva nasceu Pero Pais Corrêa (1220-?), que se casou com Dordia Pais de Aguiar (1210-?).

Pero Pais Corrêa foi o terceiro senhor da Honra de Fralães. Deste matrimônio surgiu uma ilustre linhagem composta por destacados fidalgos que, guerreando pelo rei de Portugal, em sua luta contra os mouros, imortalizaram seus nomes nos campos de batalha, ao participar ativamente da expulsão destes da Península Ibérica, cobrindo-se de glória e tornando-se heróis de Portugal e da Espanha. 


Concelho de Barcelos - Monte de Fralães - 
localização no mapa de Portugal.





Monte de Fralães.


Sobre ele vamos nos reportar, mais uma vez ao Prof. José Ferreira:


"Pêro Pais Correia, o pai do futuro Grão-Mestre de Santiago, nascido da segunda esposa de Paio Soares Correia, aparece em Balasar por causa de um amádigo (Privilégio que se concedia a quem criava filho(s) de fidalgo, e ao lugar em que este(s) era(m) criado(s), segundo o Dicionário Aurélio, 2010. Nota do autor).  A «Vila do Casal» «toda está honrada por meio de D. Pêro Pais Correia, que aí foi criado», dizem as Inquirições.
...Como seu pai, também Pêro Pais Correia terá sido frequentador do paço. O nobiliarista Felgueiras Gaio escreve sobre ele: A este chamava a rainha D. Brites, mãe do rei D. Afonso III, «mi Padre», como consta das Inquirições do rei D. Afonso. Devia ser por ele ter alguma inspecção na sua criação. Embora a citação contenha o erro de dizer que a mãe de Afonso III se chamava D. Brites — D. Brites poderia ser era a segunda esposa deste rei — parece confirmar que ele fosse frequentador assíduo da corte.
...O mesmo autor regista ainda sobre ele a seguinte façanha pouco edificante: ... comprou uma quinta no Couto do Mosteiro de Roriz em que fez umas casas, que lhe quiseram impedir os priores dele, pelo que lhe matou dois religiosos, como consta das Inquirições do rei D. Dinis".

A família dos Corrêa teve grande participação na história de Portugal, desde antes de sua fundação por D. Afonso Henriques, até o reinado de D. Dinis. O grande historiador português José Mattoso (Revista de História das Idéias. Vol. 5, 1984) nos fala das principais famílias portuguesas que, durante o período da guerra civil de 1245, participaram ativamente dos movimentos políticos do país, entre elas os Corrêa:

"Note-se, ainda, para confirmar a interpretação que damos a este tipo de lutas, que os combates entre nobres de que há conhecimento claro se situam no norte do País: na região de Penafiel, em 1226, entre Vasconcelos e Alvelos de um lado, Freitas do outro; na região do Sousa, em 1230, entre Sousas e Soverosas; em Gaia, em 1245, entre Soverosas de um lado, Lumiares, Correias e Toronhos do outro. Quer dizer, nas dioceses do Porto e de Braga, onde a densidade da propriedade nobre era maior e onde, portanto, o choque de interesses no seio da classe podia ser mais violento".

O principal nome da família Corrêa foi, indiscutivelmente, D. Paio Peres Corrêa (1210-1275), da sétima geração, desde Pedro Afonso Dorraes e Mendo Gomes, que viveram no século X, como já mencionado antes. Mas a importância de D. Paio Peres Corrêa é tão grande na história da Península Ibérica que vamos dedicar a ele uma postagem exclusiva futura. O importante é saber aqui de onde surgiram os Corrêa (ou Correia) que deram origem a todas as famílias, com este sobrenome, hoje existentes pelos quatro cantos do planeta. No esquema abaixo podemos ver a genealogia dos Corrêa, do século XI ao século XIV.



D. Paio Peres Corrêa (1210-1275).


Monte de Fralães - Brasão dos Corrêa.



Monte de Fralães - Brasão dos Corrêa, após os casamentos
com famílias dos concelhos vizinhos, principalmente com as
famílias Guedeão e Aguiar.

Monte de Fralães - pedra onde se vê o primeiro
 brasão dos Corrêa.


Monte de Fralães - pia batismal.



GENEALOGIA DOS CORRÊA (CORREIA)
José Augusto de Sotto-Mayor Pizarro (1997) (Vol. 2, pag. 375-388)
Pedro Afonso Dorraes (?-?) cc. Gotinha Oeris (?-?)
  Ramiro Aires (1060-?) cc. Tereza Pires (1065-?)
   Paio Ramiro (1125-?) cc. Ouroana Martins (?-?)
    Soeiro Pais Corrêa (1150-?) cc. Urraca Oeris Guedeão (1070-?)
     Paio Soares Corrêa (1175-?) cc. Gotinha Godiz (?-?)
      V0 -Pero Pais Corrêa (Pedro Pais Corrêa) (1220-?)  cc. Dordia Pais de Aguiar (1210-?)
        V1- Paio Peres (Pires) Corrêa (1205-1276) * cc.
        V2- João Pires Corrêa * cc. Elvira Gonçalves Taveira
               VI-1 Gonçalo Anes Corrêa I (?-1304) * cc. Aldara Anes Corrêa
                                                                                 cc. Mor Martins do Vinhal
                        VII-1 Gonçalo Anes Corrêa II ( ) cc. Anes de Soalhães
               VI-2- Gomes Anes Corrêa (?-1253) *
               VI-3- Teresa Anes Corrêa ( )
       V3- Martim Pires Corrêa ( ) cc. (1287) Mor Afonso de Cambra ( )
               VI-4- Dordia Martins Corrêa (em 1287 tomou posse dos bens da mãe)
               VI-5- Pero Martins (Corrêa) de Alcácer (cavaleiro em 1311)
                       VII-2- Pero Pires Corrêa (cavaleiro em 1311)
               VI-6- Sancha (Martins) Corrêa ( ) (Comendadeira de Santos em 1278-1279) cc. Vicente Rodrigues Taveira ( )
       V4- Soeiro Pires Corrêa ( ) (tenente de Aguiar da Pena em 1257) cc. Teresa Martins Espinhel ( )
               VI-7- Ermengonça Soares Corrêa ( ) cc. Martim Esteves da Teixeira ( )
               VI-8- Marinha Soares Corrêa ( ) cc. João Pires Velho ( )
      V-5- Gomes Pires Corrêa ( )
      V-6- Paio Pires Corrêa II, o Alvarazento ( )  * cc. Maria Mendes de Melo ( )
              VI-9- Afonso Pais Corrêa ( ) (em 1299 testemunhou doação à Ordem de Santiago) (morreu em duelo com Pero   
                       Esteves de Tavares)
              VI-10- Sancha Pais Corrêa ( ) cc. Fernão Afonso de Cambra ( )
              VI-11- Dordia Pais Corrêa ( ) (Comendadeira de Santos entre 1320-1322)
              VI-12- Maria Pais Corrêa ( ) (omitida dos livros de linhagem)
      V-7- Urraca Pires Corrêa ( ) cc. Estevão Pires de Molnes ( )
      V-8- Sancha Pires Corrêa ( ) cc. Nuno Martins de Chacim ( )
      V-9- Teresa Pires Corrêa ( ) (Comendadeira do Mosteiro de Santos)
      V-10- Mem Pires Corrêa ( ) (em 1261 tornado Cavaleiro de Estremoz) (filho de Pero Pais Corrêa ignorado pelos
               livros de linhagem)
      V-11- Gonçalo [Pires] Corrêa de Santarém ( ) (postigo de Gonçalo Corrêa) cc. Elvira Baralha ( )
               VI-13- Sancha Gonçalves Corrêa de Santarém ( ) cc. Martim Garcia de Percelada ( )
                                                                                                     cc. Gomes Pires de Alvarenga ( )
       V-12- Gomes Pires Corrêa (?-1258) cc. Maria Anes Redondo (?-1297)
                 VI-14- Martim Gomes Corrêa ( ) cc. Estevainha Pires de Alvarenga ( )
                                                                                Marinha Bentes ( )
                             VII- Gonçalo Martins Corrêa ( ) (carta régia de 1297)
                  VI-15- Vasco Gomes Corrêa ( ) cc. Boa de Pamplona ( )
                             VII- Afonso Vasques Corrêa ( ) (1331 foi meirinho mor de Além-Douro) cc. Teresa Martin
                                    Raimundinha [de Portocarreiro]
                                    VIII-1- Gonçalo Afonso Corrêa ( )
                                    VIII-2- Pero Afonso Corrêa ( ) (comendador Alvalade da Ordem de Santiago em 1319)
                                    VIII-3- Diogo Afonso Corrêa ( )
                                    VIII-4- Martin Afonso Corrêa ( ) (infanção natural no mosteiro de Mancelos em 1339)
                                    VIII-5- N. Afonso I ( ) cc. Martim Feriz ( )
                                    VIII-6- N. Afonso II ( ) cc. Pero Afonso ( ) (sobrinho do bispo D. Reimom de Coimbra)
                                    VIII-7- Aires Afonso Corrêa ( ) (alcaide do castelo de Monforte em 1357)
                                    VIII-8- Fernão Afonso Corrêa ( ) cc. Leonor Anes da Cunha ( )
                                     VIII-9- João [Afonso] Corrêa ( ) (em 1358 corregedor em Entre Tejo e Guadiana)
                             VII- Inês Vasques Corrêa ( )                  
                  VI-16- Teresa Gomes Corrêa ( ) cc. Paio Soares de Azevedo ( )
                  VI-17- Maria Gomes Corrêa ( ) (nada apurado)
                  VI-18- Aires Gomes Corrêa ( ) (foi clérigo)
                  VI-19- Paio Gomes Corrêa ( ) (abade de conventos entre 1290-1332)


     Como citado acima, os Corrêa (Correia) sempre mantiveram uma proximidade muito grande à Coroa portuguesa. Não eram da primeira linhagem, isto é, não eram da alta nobreza, eram fidalgos, de linhagem intermediária entre os membros da corte e a baixa nobreza, como já abordado por José Mattoso, Pizarro e outros, mas sempre mantiveram muito prestígio junto aos reis lusitanos, em paticular da dinastia de Borgonha, também conhecida como dinastia Afonsina. Sempre foram aliados próximos nas campanhas contra os mouros, nas lutas contra os reinos de Leão e Castela, que constantemente tentavam reanexar o território português aos seus respectivos domínios. Os reis podiam sempre contar com esta linhagem tanto em campanhas militares, quanto em atos administrativos internos ao reino português. Até D. Dinis, sua importância é reconhecida por todos os autores por mim pesquisados. Abaixo mostramos o quadro dos reis de Portugal da Dinastia de Borgonha.
         




       Após a morte de D. Dinis e a ascensão ao trono de seu filho D. Afonso IV, a linhagem dos Corrêa vai progressivamente deixando de constar nos registros dos mais importantes eventos históricos. É possível que, dados os inúmeros entrelaçamentos por casamentos com outras linhagens, este sobrenome tenha sido progressivamente diluído e passado a não ser anotado nesses registros. Mas os Corrêa podem ser rastreados até o século XV com uma certa facilidade. 

     Conseguimos estabelecer o contato dos Corrêa com as viagens dos descobrimentos, o que apresentaremos em postagens futuras. Um dado importante a ser registrado é que existem inúmeros Corrêa acusados de serem cristãos-novos e serem judaizantes (isto é, praticarem o judaísmo às escondidas, enquanto mantinham a fachada de cristãos). Com isso, dados foram coletados por historiadores brasileiros e portugueses nos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa, documentos esses que revelam a prisão de diversos Corrêa pela Inquisição, seus julgamentos e condenações. Vários deles tiveram um triste fim nas fogueiras. Não podemos afirmar que eram descendentes dos genuinos fidalgos Corrêa dos primórdios de Portugal por um motivo simples. Inúmeras famílias nobres e fidalgas, de todas as linhagens, tinham muitos amigos judeus, dos quais, muitas vezes, dependiam para obter empréstimos financeiros em ocasiões de necessidades, campanhas militares, construções de casas ou palacetes e durante as guerras. Muitas dessas famílias nobres e fidalgas emprestaram seus nomes de família para seus amigos judeus a fim de protegê-los da fúria sanguinária da Inquisição, mesmo sabendo dos perigos que isso lhes acarretaria. Portanto, é muito difícil estabelecer com certo grau de certeza entre essas linhagens quem, posteriormente, carregava sangue judeu em suas veias. 

          Sabemos que diversos Corrêa (Correia) participaram das grandes navegações portuguesas e espanholas. Estão mesmo entre os primeiros colonos e degredados (seriam eles judeus, que fugiam da Inquisição?) que vieram para o Brasil. Um deles era Diogo Álvares Correia, o Caramuru, personagem fundamental de nossa História do Brasil. Além das capitanias do Nordeste, também nas capitanias do Sul, como as do Rio de Janeiro e de São Vicente, estes Corrêa (Correia) tiveram participação importante.

   Apesar da grande lacuna de conhecimento sobre essas linhagens, que vai do século XIV até o século XVII, quando temos registro do primeiro Corrêa que se uniu em matrimônio, no Brasil, a uma descendente do português João Ramalho, natural de Viseu, do espanhol, de Sevilha, Martim Rodrigues Tenório de Aguilar e do flamengo, de Bruges, Cornélio de Arzão, na capitania de São Vicente. Todos tinham ascendência judaica. No caso de João Ramalho ainda persistem dúvidas e debates. Esses personagens estão na origem dos Corrêa aos quais pertenço, originários de Dores do Indaiá, Minas Gerais, Brasil. Essa família tem um longo périplo de passagem por  terras brasileiras, motivo de postagens passadas e futuras.